Fosse a poesia de Aroldo Ferreira Leão mais fotográfica diríamos que ela é prismática, dada a variação de enfoques sutis e elípticos ao correr dos poemas, sem quebra da unidade criadora. É uma poesia feita de surpresas; é uma poesia “afirmativa”, em caminho do psicológico e do filosófico; é uma poesia que expõe o seu encanto no apanhado total do poema; é uma poesia onde o lírico corre nas entrelinhas e onde os versos, em geral curtos e sincopados, trazem ao vivo vocábulos e símbolos diria prosaicos, que se transformam, no todo criado, em espiralações poéticas notáveis. Um poeta que não tergiversa, quase nunca se deixa levar pela dúvida. Mas das suas criações exsurgem a “dúvida maior”: a eterna busca do porquê de tudo, até do inalcançável. Vem daí um toque de perplexidade do poeta diante da vida e de tudo o que o cerca. O próprio título de um de seus livros – O Espelho dos Labirintos – é um pouco de tudo o que ficou exposto e do quanto este poeta é capaz no campo movediço e escorregadio das musas.
Pouco vimos, na Arte Poética moderna, um poeta como este, de tamanha… Como diremos? Força criadora? Isto é banal e um tanto cediço. Mais certo será “detonação criadora”, porque o poeta desce fundo e não se perde em divagações. Suas interrogações são silentes, mudas, como nesta estrofe de A Morte, do livro citado:

“A morte é a vida
Renascendo nas cinzas
Da solidão do tempo,
É o mistério solto
Que nos congrega
A nossos próprios erros.”

Aroldo Ferreira Leão é, às vezes, inconscientemente despistante. Os primeiros versos de alguns poemas parecem banais. Parecem, apenas, porque as referidas detonações vêm a seguir, em achados geniais. Ele procura não propriamente dar alma a tudo, até dos objetos. O seu caminho é inverso: a alma está em tudo. Necessário, pois, captá-la, para se alcançar o mistério da Vida. Para tanto, vale-sede outra arma(pouco encontradiça em outros poetas): “corta” as estrofes inesperadamente, para sequenciá-las com espaços “silenciosos”, que dão ao poema uma unidade e uma aura poderosíssimas e surpreendentes. Eis um exemplo, tomado ao acaso:

AMOU

Amou tanto a
Poesia que
Espalhou

No coração
A meiga
Pureza

Dos meninos
Secretamente
Envolvidos com o perdão.
(obra citada)

Diz o autor, na abertura do livro Vontades perdidas, que a força de tudo o envolve e o une aos sons e cores do mundo. É isto uma bela auto-definição. E isto explica em parte sua conduta poética. E faz dele um poeta intrigante e instigante, dono de um “como dizer” personalíssimo, que transforma conta-gotas em essências de forte apelo humano, em qualquer tema que aborde.
Até em Solidão Heptassilábica, (belíssima vertente poética alicerçada no “cordel”) o poeta “navega” nas sextilhas com tais inovações, sem artificializá-las, que leva o leitor em vendaval e o remete a reflexões enormes sobre “nossa situação no universo” e “em nós a vida introduz o teor do mistério que nos ronda constantemente e nos torna criaturas de maldades doídas e infinitas”, como nos diz na apresentação do livro. Muito bem. Mas nos parece que, aqui, o inverso é mais verdadeiro: o “mistério” é que nos introduz a Vida, essa vida que é a razão do mistério, que leva à benquerença, ao sacrifício, à Alma de tudo e, sem falso pessimismo, ao Nada. Não o nada que se anula em si mesmo, mas o outro, assustador, tão vivo e irmanado nos “espaços” e “cortes” inesperados dos poemas deste Poeta. Ou seja: o contra-espelho da Vida, que estas criações são mágicos espelhos e contra-espelhos do que somos e do que não somos.
Poeta de obra vasta, toda ela voltada para estas eternas buscas e deduções, eis que o autor deduz muito nos achados poéticos e nos revela, traz a relevo, sempre e sempre, um outro universo submerso, irrevelado e inalcançável, na vida e na matéria.
É o que chamamos de poeta essencial; é o que chamamos de poeta de lançadeira mágica, que vasculha a razão e o segredo de tudo que ele vive, vê e o cerca. E nos encanta com poemas notáveis, sem falsos lirismos e enorme puridade no seu versejar leve, límpido e… profundo.
O Brasil precisa conhece-lo melhor. E para se saber do tamanho do seu talento necessário apenas lê-lo, pôr a mão na consciência e tirar a prova.

Caio Porfírio Carneiro
Secretário Administrativo da U.B.E/SP
São Paulo, Junho de 2003

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