Extrair da quantidade a qualidade? Mas quando essa quantidade quer dizer entrega? Quer dizer devoção? Aroldo Ferreira Leão. Esse é o nome. Quarenta e quatro livros publicados. Conheço “Presságios”, de 1997, onde os poemas são mensagens, pequenos concentrados, que nos remete a versículos: “Mistério”/“Há um tempo dentro do tempo,/há uma morte para cada ressurreição,/há um silêncio invadindo as atmosferas./Dos universos mais sozinhos,/há ciclos de serenidades nas almas/mais aperreadas e complexas,/há vida dentro dos abismos.”. Em “O Espelho dos Labirintos”, livro de 1999, Aroldo, vai além dos epigramas de “Presságios”, o poeta busca, e isso é uma tônica constante em sua poesia, uma resposta para o peso de existir, num mundo tão contraditório, cheio de disparates sócias: “Viver”/“Viver equaciona/Os impossíveis/Problemas de/Nossa ignorância/Espiritual/Viver recoloca-nos/Na missão eterna/De vencermos/Nossas próprias/Debilidades.”. Conheço também,“Vontades Perdidas”, de 2001. Nesse, o poeta, busca, não as respostas, que como sabemos, estão todas aí. Mas sim, as perguntas, que são sempre bem mais ocultas: “As Coisas”/“As coisas nos vinculam/As esperanças, alicerçam/Os reencontros/Procuram as reverberações/Dos sons homogêneos/A sinceridade dos corações/Perdidos em si mesmos/A boa vontade dos loucos/Humildes e compreensivos.”.

Recebo, “O Elo Drummondiano dos Sentidos”, o quadragésimo quarto livro desse infante das letras. Verdadeiro “Dom Quixote” mesmo!. Nesse novo livro, Leão cria – como muito bem o disse, Carlos Moraes Júnior, que assina a contracapa – um diálogo com um dos melhores poetas da língua portuguesa. O poeta vai ao encontro da verdadeira poesia. Apenas a essência lhe interessa. A flor de cactos que brota no quintal. O quintal de uma savana, que é a própria floresta, a floresta africana, onde passeia impávido um leão, ou o quintal de uma casa de um típico nordestino-leão. Um “Leão do Norte”.
Tomo de empréstimo esse título de um CD, de 1996, da Elba Ramalho, porque é isso que Aroldo Ferreira Leão traz em sua bagagem. Uma outra pele. Uma pele de um Leão. Um “Leão do Norte”.
Assim, quando se transmuta, pele de Leão pelo corpo-cidadão (funcionário público, feito o poeta com quem dialoga em seu 44º livro), presenteia, a todos, com poemas dessa força: “Só a poesia pode libertar,/Te encontrar sereno/Como o olhar de uma mãe/Lançado ao filho/Num momento de silêncio/E verdade/Só a poesia pode tudo/Renascer, crescer, evaporar,/Condensar, infiltrar, soltar/As amarras tensas/De tua alma/Só a poesia ressuscita.”
Há também, nessa homenagem a Drummond, a introdução de um singular ensaio, onde Aroldo, aproxima-se mais ainda dessa interlocução com o poeta mineiro.
Percebo, uma crescente aprimoração, livro a livro, em sua poética. Poeta que cultiva seu estilo. Intenta, a cada obra, contribuir cada vez mais e melhor, não importando o tamanho da dosagem, com a poesia brasileira, com a alma do homem nordestino…

SACOLEJOS & MANEJOS: A POESIA CANTADA

Aroldo Ferreira Leão é um artista múltiplo, dos 44 livros editados, 39 são de poesia, 2 de teatro e 3 de literatura infantil, sem falar que prepara um livro de crônicas. Voltamos ao que falei acima, é a eterna busca, o frenético burburinho no peito do artista que não o deixa calar. Fazer arte eternamente, não importando os obstáculos.
Creio que pensando e sentindo isso, a incansável chama da criação o levou a cantar seus versos.
“Sacolejos & Manejos”, nos traz exatamente essa verve inconfundível do poeta. São 14 composições de Aroldo, onde, com uma banda tipicamente nordestina, canta em ritmo de forró, todos os seus anseios, espantando num balançado gostoso (é impossível ouvir o CD e ficar parado) todos os medos.
Todas as canções trazem melodias e letras que merecem re-audição. O CD é para ouvir e re-ouvir. Mostro aqui uma das letras, para que o possível leitor, desse texto, tome como aperitivo e vá atrás do trabalho inteiro: “Irmão Carente”/ “Irmão carente, nordestino sofredor/A luta é grande, tua dor/É bem maior/Já sei de cor/Que teu caminho é sem amor/E que o pavor/ De viver só dissabor/Te traz o odor/Da flor/Perdida no infinito ardor/Compor/Teus traços é supor/Que és um fraco, lutador/Palhaço triste no rumor/Da agonia, teor/ Sem sal, conquistador/Do esquecido, pensador/Acabrunhado, contador/Do que é pior/Melhor/É ficar só, ser inútil suor…”.
É isso que acontece quando literatura e música se encontram num corpo de um poeta que não mede sacrifícios em nome da arte e, em consequência, em nome do aprimoramento humano.
O tempo desse poeta é outro, como ele diz “Há um tempo dentro do tempo”, tempo de plantar e colher, não importando em qual região, se no Nordeste ou no semiárido coração…

Cláudio Portella.
Escritor, crítico de arte e editor.
Colabora nos diários “O Globo” e “Jornal Do Brasil”.
Co-edita a revista “Arraia PajéUrbe”.

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